terça-feira, 29 de maio de 2012

ÀS VEZES PARTEM CARTAS…


  Como Miguel Torga e D. António Ferreira Gomes diziam impressamente em epístolas notáveis que endereçaram ao Povo português e a outras entidades, a faculdade de nos contestarmos, exercendo opinião ainda que vivaz e crítica, é um índice de cidadania e de real liberdade.
  O que distingue uma pessoa de outra é o pensamento autónomo, que se conjuga com a faculdade de aceitar ou de rejeitar. E ambas, dessa forma legítima, não estabelecem contramão - antes concorrem para um aperfeiçoamento do território que lhes é comum: a vida em sociedade civilizada.
 O problema fundacional é que muitos não a desejam, não a acalentam, não a procuram sustentar e não a apreciam. Por outras palavras: porque "valores" (na verdade interesses espúrios) mais baixos se alevantam - digamos desta maneira a rebours da velha frase canónica.
  Nunca como hoje o mundo necessitou tanto da poesia que vem da dignidade e da dignidade que vem da poesia, como referiu num saudoso bilhete desses tempos Agostinho da Silva.
 O que implica a dignidade de discordarmos e de discordarem de nós.
 E o corolário creio que será este: se isso se perde, se mancha ou se trespassa... então está-se a caminho do princípio do fim.

A este propósito enviei há dias este email que achei por bem enviar também por aqui.

Caros confrades da revista SIBILA*

 Tomei conhecimento, por leitura recente, da polémica que vem acontecendo a propósito de um texto sobre Augusto de Campos (creio que digo bem) da autoria de Luis Dolhnikoff e que despertou situações bravas...
 Não vou referir-me ao cerne da questão, pois só posso aquilatar pela rama.
 Mas gostaria de dizer que essas polémicas, no fundo, são produtoras de luz - uma vez que purgam os maus humores do que esteja eventualmente errado, tendo em vista a existencia salubre.
 Muito diferente é o que se passa em Portugal, onde um espesso manto de silêncio vem cobrindo tudo. Os donos da aparelhagem literária/literata conseguiram criar por aqui um simulacro de "serenidade mansa e doce", em que não há sobressaltos nem pendências. E os que acaso se atrevem a tentar dizer que algo está mal, que alguns reis vão nus, são de pronto silenciados para que não causem danos eventuais à "panelinha" a que aludiu com perspicácia Eça de Queirós.
  Aí haverá coisas pouco amáveis. No entanto, aqui, caminha-se a passos largos para um indubitável cripto-fascismo.  
  Com o selo da unanimidade e da falsa cortesia!

  Saudações do

                                         nicolau saião

*(“SIBILA - revista de Cultura”, é editada no Brasil e nos Estados Unidos e dirigida por um núcleo de autores e professores tendo no lugar de topo o juiz de Direito e escritor Régis Bonvicino).


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