terça-feira, 1 de maio de 2012

Da surdez no clítoris - pequena adenda intercalar


(Esta adenda só adquire sentido se forem lidos os comentários à primeira parte do texto, quando o publiquei no Fiel Inimigo. Para isso, clicar aqui. Para ler os que respeitam a este, aqui)

CdR:

Já agora, numa rapidinha, e porque poderá haver mais gente para quem o que eu pretendo dizer ainda não é claro.

A intenção altruísta implícita, se não declarada, das lésbicas surdas que pretendem gerar um filho igualmente surdo tem a ver com a sua capacidade para educar uma criança. Sentindo-se incapazes -ou tendo medo de o ser- de a prepararem devidamente num e para um mundo de "normais", isto é, num e para um mundo com uma amplitude potencial de oportunidades e de riscos superior àquela que possuem, tencionam criar mais alguém com esse mesmo handicap. É a bem da criança que o fazem, note, porque qualquer outra poderia ficar prejudicada. Puro altruísmo, alguém duvida?

Se elas pretendessem educar uma criança surda já existente, ainda vá lá. E digo "vá lá" porque, apesar disso, o mundo é predominantemente "normal" e a criança teria que, como todos os outros  — surdos, cegos, coxos, deficientes mentais —  absorvê-lo culturalmente para se poder desenrascar e comunicar nele. Mas pronto...

Um casal de surdos viveu, durante anos, no prédio das traseiras do meu, tiveram uma filha sem qualquer problema sensorial ou outro e educaram-na também sem qualquer dificuldade acrescida. O facto de ela ter saído lésbica, não me parece derivado de um problema educacional  - este exemplo parece uma piada, relativamente ao caso de que estamos a tratar, mas não, é mesmo verdade.

O que se passa com os "educadores religiosos" que pregam e praticam a excisão do clítoris é semelhante. O que eles estão a fazer, na mais sagrada e, portanto, altruísta das missões, é proteger as mulheres, precavendo a possibilidade de elas resvalarem para o pecado e contaminarem com ele a obra divina. De outra maneira, o que eles fazem é moldar o mundo à sua medida, à medida das suas possibilidades, para que esse mundo não lhes fuja ao controlo; não pensam em alargá-lo, mas em limitá-lo, como faz qualquer medroso estúpido. As mulheres têm que comportar-se, ser, à medida da sua compreensão do mundo. Para bem delas, é claro, senão Deus castiga-as e aos outros que lhes permitiram agir contra a Sua imutável e abençoada lei.

Qual é o paralelo? Parece-me evidente. Mas, se tiver estado com atenção às mais recentes tendências da moda, verificou, com certeza, que se reivindica cada vez mais, entre surdos "progressistas", a existência de uma cultura própria assente na deficiência auditiva. Isso não o alerta para nada?

E agora espere mais um pouco pelo que direi a seguir.

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