quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Autárquicas, Isabel A Endocrinologista, Marco Mouro na Costa





Alberto Gonçalves dixit:





Clima de festa

Parece que o presidente da Câmara Municipal de Esposende (CME), João Cepa, gastou 5266,80 euros dos cofres do município para oferecer dois mil terços a outros tantos idosos do concelho. Não satisfeito, acrescentou 16560 euros, naturalmente públicos, para alugar 32 autocarros e enviar os ditos idosos numa peregrinação a Fátima. Na página do Facebook da CME, conclui-se que a viagem foi um sucesso, com direito a missa, piquenique junto ao santuário e, cito, "a partilha dos farnéis e o convívio entre os participantes, em clima de festa e alegria". Os que defendem o social-democrata João Cepa, leia-se o próprio, explicam que o homem não é candidato nas próximas eleições autárquicas. Os que o atacam evocam a separação entre o Estado e a Igreja.

É evidente que concordo com os segundos, embora me pareça que a restrição não baste. Além de se separar o Estado da Igreja, proeza que, aliás, já foi razoavelmente consumada há décadas, convinha com urgência separar o Estado do dinheiro alheio. A menos que se ache que o único problema desta história passa pelo carácter religioso das prendas e do destino. Se o sr. Cepa tivesse oferecido ao povo duas mil garrafas de espumante e um passeio à Bairrada, o caso seria diferente? Suponho que não.

Limitar a generosidade dos autarcas apenas nas matérias da fé é continuar a dar-lhes livre trânsito para estraçalharem o rendimento de quem trabalha em pândegas sem eucaristia, rotundas sem evangelho, "multiusos" sem sacerdote, "requalificações" de "envolventes" sem redenção. E isto para ficarmos pela iconografia mais representativa do entusiasmante "poder local".

Se quisermos ir um bocadinho além, consultar o portal base.gov.pt é descobrir todo um universo de despesas peculiares em que as autarquias também se especializaram. Há os cinco mil euros gastos pela CM de Faro nos serviços de "manutenção e suporte" de um "software de gestão desportiva", os sete mil euros gastos pela CM de Miranda do Corvo em bilhetes de avião para a Turquia, os 42 mil euros gastos pela CM de Barcelos num misterioso "compressor Nitrox", os 24 mil euros gastos pela CM da Amadora na "concepção de um desdobrável para as eleições", os dez mil euros gastos pela CM de Sousel num espectáculo com "o artista "Quim Barreiros"" (curiosamente, "artista" aparece sem aspas), os quatro mil euros gastos pela CM de Loulé em máquinas de musculação ("e stepper"), os 54 mil euros gastos pela CM de Serpa na "aquisição de serviços para a direcção do Centro Musibéria", os 6500 euros gastos pela CM de Aljustrel num "monobloco em betão", os 50 mil euros gastos pela CM de Vila Pouca de Aguiar na "tradicional Feira das Cebolas" e, para não cansar e terminar em grande, as largas dezenas de milhares de euros gastos pela CM de Lisboa em incontáveis passagens aéreas para Dublin, Odense, Belfast, Luxemburgo, Helsínquia e onde calha.

Tudo isto, acreditem ou não, são exemplos colhidos na semana agora finda, em suposta época de crise. Multipliquem-nos pelas cerca de duas mil semanas de municipalismo democrático e não se esqueçam: no dia 29, corram às urnas. O voto é um direito e um dever. E, para eles, uma festa e uma alegria.




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Bombocas à noite

O jornal i entrevistou Isabel do Carmo, a endocrinologista que, pelo aspecto, possui a legitimidade de um alcoólico que é cirurgião hepático, e a ex-terrorista que lutou à bomba pelo tipo de sociedade que admirava. Podia ter sido pior: em vez de uma entrevista amável, o i podia ter concedido uma comenda à senhora. Mas disso o antigo presidente Jorge Sampaio já se encarregara.

Ainda assim, a referida entrevista é suficientemente comovente. Desde logo, pela preocupação que a dra./camarada Isabel dedica ao futuro do SNS, regime que acha merecer a exclusividade total dos médicos. E se a dra./camarada Isabel acumulava há décadas o serviço público com o privado, isso deveu-se apenas a razões logísticas. Ou, como ela explica: "A certa altura, é um caminho irreversível." Porquê? Porque "a pessoa ganha uma certa notoriedade que torna difícil voltar atrás". E porque o Estado só é bom quando rouba os outros: "Ando a trabalhar no privado para pagar os impostos do público." Muitos andamos, minha senhora.

Espantosamente, a entrevista consegue melhorar. Não é todos os dias que uma jornalista faz uma questão tão pertinente quanto: "É o jeito para mobilizar que liga a Isabel do Carmo de 73 anos à jovem das Brigadas Revolucionárias?" Porém, o segundo grande momento da História da Imprensa Ocidental é a pergunta: "Sendo médica, como é que se gere a defesa da luta armada?" O primeiro momento é a resposta: "Gere-se bem."

O resto da peça mantém este nível. A dra./camarada Isabel conta que se reunia em hospitais com "Zeca" Afonso (um excelente aproveitamento de recursos), invoca a aprovação de Otelo (esse baluarte do juízo), informa que se limitava a colocar "bombas à noite" (e que a classificação de bombista é uma calúnia "da direita e da extrema-direita") e garante que hoje não voltaria à luta armada na medida em que não lhe "apetecia ir para a cadeia [risos]" (a moral é uma mariquice que não a detém). A terminar, a jornalista exibe extraordinária coragem: "Tem algum doce preferido?" "Bombocas?"




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A renegociação a 500 euros/mês

Marco António (Costa) é daquelas coisinhas tão pequeninas e engraçadas que apetece levar para casa. Mas não para a minha. Um destes dias, para que não parecesse que o CDS era o único membro da coligação a alinhar nos clichés contra o Fundo Monetário Internacional, Marco António (Costa), todo lampeiro, insurgiu-se: o FMI padece de "hipocrisia institucional", já que os seus responsáveis terão afirmado num alegado relatório que a austeridade aplicada a Portugal é excessiva. E depois os malvados "mantêm-se inflexíveis" nas negociações.

Coitadinho do Marco António (Costa), que ainda não percebeu a enrascada pátria. Mesmo que tal afirmação e tal relatório sejam verdadeiros, importam menos os estados de alma de algum funcionário da entidade do que os factos, e estes mostram que a intervenção local do FMI, acompanhado pelos dois terços não tão benignos da troika, só existe porque a classe política a que Marco António (Costa) pertence e o bom povo que a legitima criaram uma situação que tornou a intervenção necessária: eles mandam; nós colocámo-nos a jeito de ser mandados. A alternativa, de que pelos vistos ele não se lembra, era a bancarrota absoluta. Assim, estamos numa bancarrota assistida, na qual uns senhores emprestam (a juros) o suficiente para que isto possa fingir que é uma nação soberana e inúmeras figuras gradas da nação querem mandar os senhores pentear macacos (embora por palavras mais viris). O patriotismo é muito lindo.


Infelizmente, os patriotas não explicam onde arranjaríamos o crédito caso os credores decidissem abandonar-nos à nossa sorte. Ou explicam, o que é igual. A ideia consiste em preservar a troika só que em versão boazinha: eles continuam a mandar-nos o dinheiro; nós dispensámo-nos de condições aborrecidas como a de ter de pagá-lo. Ou, no máximo, obrigamo-nos a pagar em suavíssimas prestações, semelhantes à que a autarquia de Vila Nova de Gaia, que contou durante anos com os brilhantes préstimos de Marco António (Costa), cobra ao FC Porto pelo centro de treinos ou lá o que é. O centro custou aos contribuintes 16 milhões. O clube abate 500 euros mensais. Daqui por 2666 anos - por extenso: dois mil, seiscentos e sessenta e seis -, aquilo estará pago. A Câmara Municipal de Gaia é generosa com o que não é seu. O FMI é cioso do que é. Vá-se lá compreender o mundo. Não admira que Marco António (Costa) nem tente.



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